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Histórias de uma vida - Maria José Jardim
Navegador n.º 177 - Dezembro de 2007

     Fomos ao encontro de uma das pessoas mais velhas de São Jorge, a sr.ª Maria José Jardim com 93 anos. Nasceu a 17 de Fevereiro de 1914.
     Falou-nos um pouco das suas dificuldades, da alegria do Natal, de São Jorge de outros tempos...

     

     Como passou a sua infância?

     Quando eu era pequena, eu gostava muito de brincar. Eu brincava até demais, eu não estava sossegada, gostava sempre de andar de roda da casa a brincar. Tínhamos uma casa muito grande, que não era só nossa, onde viviam mais outras três ou quatro famílias.

     Quando já era um pouco mais grandinha, ia para a escola. Quando chegava da escola minha mãe não costumava estar em casa porque ia tirar o leite às vacas, mas destinava-me para descascar umas semilhinhas e preparar o jantar.

     Mas eu tinha duas amigas, que como sabiam que minha mãe não estava em casa, vinham atrás de mim para brincarmos.

     Tínhamos um vimieiro perto de casa, onde amarávamos os vimes grandes uns nos outros e fazia-se balanços, para cá e para lá. Tinha uma vizinha que ao me ver brincar dizia assim: "Mariazinha, ponha o jantar ao lume que sua mãe chega e tá o comer para fazer."

     E as amigas de brincadeira diziam-me: "a gente ajuda depois". Cá nada!... mal elas se viam cansadas de brincar, andavam e deixavam-me a chorar com o comer para fazer.

     Minha mãe quando chegava e ia para me bater por eu não fazer o jantar, eu fugia à volta da casa, mas quando ela me apanhava dava-me mais.

     Um dia minha mãe pegou num daqueles vimes grandes para me apanhar quando eu estava fugindo, e o vime veio-me ao nariz e fez-me sangue. E minha mãe começou a chorar, e eu cá comigo - "Bem-feito, não me malhasses" .

     

     E na sua vida adulta, em que trabalhou?

     Eu depois fui crescendo, mas ia à escola sempre, mas eu era de má cabeça, não aprendia nada.

     Quando já estava mais crescida, o meu pai comprou uma novilha e a colocou num palheirinho que tinhamos longe daqui. E eu ia mais meu irmão mais velho, para apanhar comida e cuidar da bezerra. Mas a gente ia para lá, era brincar. Houve um dia que meu pai lá chegou sem a gente perceber, e viu que a bezerra não tinha nada adiante e que andávamos era brincando. Pegou numa caninha, que servia para trancar a porta do palheiro, e deu com ela, foi a única vez que meu pai me malhou.

     Quando eu ficava em casa com minha mãe, ela me ensinava a bordar de vários tipos. Também fazia bonecas de pano, que nesse tempo não havia destas de borracha como agora.

     

     Como eram realizados os casamentos antigamente?

     Casavam novos. Minha avó, mãe de meu Pai, casou com 12 anos e meu avô tinha 30 anos. Mas ela com essa idade só cria era brincar e ia para o Jogo da Bola nos domingos ter com as outras raparigas.

     

     Quando era mais nova, tinha algum sonho, alguma profissão que quisesse fazer?

     Nesse tempo, pensava-se cá nisso. Nesse tempo pensávamos era ir aprender umas letrinhas.

     

     Que dificuldades existiam antigamente por aqui em São Jorge?

     A primeira vez que fui à cidade do Funchal, tinha 17 anos, e era a pé.

     Quando chegávamos ao Monte, mudávamos de roupa numa casa grande chamada "A Quinta do Monte", porque não se ia para a cidade com as mesmas roupas que se andava no caminho.

     

     Como é que se divertiam antigamente?

     Nesse tempo brincava-se... Aquilo é que era crianças a brincar umas com as outras. Nos domingos fazia-se rodas, jogos no sítio do Pico, onde ainda não havia casas como hoje.

     

     Que dificuldades teve ao longo destes anos todos?

     Óh, se eu fosse a contar dava para um dia! As primeiras dificuldades que eu passei, foi logo no dia em que tive de ir à cidade para me casar. Apanhei chuva e granizo do Monte até à Sé.

     Caminhamos de São Jorge na segunda-feira e casamos na quarta às 3h da manhã para depois podermos apanhar o carro que ia até São Roque do Faial.

     Quando estávamos casando era só trovões e granizo a cair.

     Havia padres por aqui, mas como o sr. Padre da Sé era padrinho do meu marido, queríamos que fosse ele a nos casar. Como ele não podia sair de lá, tínhamos de lá ir à cidade para casar.

     Na quarta quando chegamos a Santana, ainda estava chuva e trovões, e fomos para a casa do meu sogro, que já lá tinham arranjado o almoço dos noivos.

     

     Casou de branco?

     Não, na cidade naquele tempo ninguém se casava de branco, só aqui é que era de branco. Mas casei com um vestido novo, que minha mãe mandou fazer e tinha um casaco também bom. O meu marido também tinha um fato bom, mas como estava chuva levou foi o mais velho.

     Depois quando chegamos a casa, aqui em São Jorge, tinha arcos e enramada e tanto povo aí à nossa espera. Juntou-se oito alqueires de trigo aqui na porta da casa.

     À noite depois fizemos aqui um jantar.

     O meu primeiro marido morreu com 29 anos, caiu de um andaime mal feito, quando estavam a fazer um palheiro.

     Depois voltei a casar passados três anos, com o irmão mais novo do meu primeiro marido, e este morreu aos 70 anos, mas já lá vão 17 desde que ele partiu.

     

     Como era festejado aqui em São Jorge o Natal?

     Aquilo é que era natais bonitos, não é como agora. Faziam umas romarias bonitas. Depois da missa da noite de Natal, iam pelos caminhos a cantar as romarias, e iam à casa de um e de outro comer e beber.

     Nesse tempo ia-se à casa de ricos e à casa de pobres.

     

     O que comiam na véspera e no dia de Natal?

     Na véspera era galinha, não eram batatas. Toda a gente poupava para a festa, tudo trabalhava para o dia de festa.

     No dia era carne de vinho-e-alhos, pão pingado que era tão bom. O pão pingado era feito quando se ponha a carne de porco a assar numa panela, colocava-se fatias de pão em cima da carne para apanhar aquela graxa. Nesse dia também bebia-se café com leite.

     

Catarina Mendonça
Linda Câmara